sexta-feira, 27 de novembro de 2009


Eu deixarei que morra em mim
o desejo de amar os teus olhos que são doces

Porque nada te poderei dar senão a mágoa
de me veres eternamente exausto.

No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida
E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto
e em minha voz a tua voz.

Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado
Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados
Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada
Que ficou sobre a minha carne como uma nódoa do passado.
Eu deixarei... tu irás e encostarás a tua face em outra face
Teus dedos enlaçarão outros dedos
e tu desabrocharás para a madrugada

Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu,
porque eu fui o grande íntimo da noite

Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa
Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço
E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado.
Eu ficarei só como os veleiros nos portos silenciosos
Mas eu te possuirei mais que ninguém porque poderei partir
E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas
Serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenizada.

(Vinicius de Moraes)

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